Ouvidorias dos Hospitais Federais.
Ouvidorias dos Hospitais Federais
Leila Leal Leite
A nova conduta de sociabilidade política surgida no Brasil a partir da década de 1980 se deveu a uma conquista de todos os setores sociais que lutaram duramente contra o regime militar instaurado pelo golpe de 1964. Com o estabelecimento dessa nova sociedade, foram criados diversos instrumentos de participação popular que passaram a ser incluídos na ordem jurídica nacional, dentre eles, o instituto Ouvidoria Pública. Essa nova conduta proporciona a propagação da cultura democrática, com implicação na promoção dos direitos individuais e sociais, constitucionalmente garantidos na Constituição Federal de 1988, reconhecida como Carta Magna Democrática Cidadã, marco basilar no aumento da conscientização da sociedade quanto ao exercício de seus direitos junto à gestão pública. Desse modo, o Estado de Direito Democrático passa a ser efetivado na proporção em que o cidadão busca usufruir dos seus direitos pela participação popular, com o exercício pleno da democracia e da cidadania (BRASIL,1988).
Segundo Oliveira (2010), atualmente, tem-se um cidadão mais consciente dos seus direitos no tocante ao seu papel como participante social na busca de um espaço aberto para suas conquistas. Nesse sentido, a sociedade exige cada vez mais o cumprimento das políticas de Estado e a prestação de serviços públicos de qualidade. Quanto a isso, destaca-se o sistema brasileiro de saúde pública, bastante discutido e questionado quanto à ineficiência na gestão, em face dos graves problemas que enfrentam os cidadãos que dele dependem.
Nesse contexto, ao longo de décadas, os Hospitais Universitários Federais- HUFs enfrentaram diversos problemas relacionados à oferta de serviços de boa qualidade, entre eles, a ineficiência na gestão, ausência de metas e de indicadores definidos, a precariedade das condições trabalhistas e, principalmente, a crise financeira que limitou os hospitais em relação aos avanços tecnológicos necessários às novas descobertas terapêuticas.
Mediante essas situações, o Governo Federal criou, por meio do Decreto nº 7.082/2010, o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF), para a realização da reforma universitária e reestruturação dos HUFs, dotando-os de condições materiais e institucionais para desempenharem plenamente suas funções na dimensão de ensino, pesquisa, extensão e assistência à saúde. Esse Programa determinou ainda o papel e as funções concernentes ao MEC, ao MS e ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPOG), apresentando as seguintes diretrizes do REHUF: melhorias no processo de gestão, adequação da estrutura física, recuperação do parque tecnológico, reestruturação de recursos humanos, aprimoramento e avaliação permanente dos serviços e incorporação de novas tecnologias no tocante ao ensino, pesquisa e assistência à saúde (BRASIL, 2010).
Para atender aos objetivos do programa REHUF, de modo a suprir as deficiências e mudar a realidade vivenciada nos HUFs, o Governo Federal sancionou a Lei nº 12.550/2011 e autorizou o Poder Executivo criar a empresa pública vinculada ao MEC, nominada EBSERH, a qual tem caráter jurídico de direito privado, regime de trabalho celetista, patrimônio próprio, prazo de duração indeterminado. Essa empresa está sediada em Brasília, com competência de administrar as unidades hospitalares no âmbito do SUS, prestando serviços de assistência ambulatorial, médico-hospitalar e de embasamento diagnóstico e terapêutico à população (BRASIL, 2011). A EBSERH gerencia os HUFs, com a justificativa do aprimoramento da gestão hospitalar, atendendo às recomendações e determinações do Tribunal de Contas da União (TCU) (BRASIL, 2008).
A EBSERH adota a padronização de processos organizacionais para obtenção de uma gestão de qualidade e busca desenvolver estratégias gerenciais que prezam pela efetividade da gestão pública, como a promoção de mudanças na cultura gerencial com vistas ao exercício da cidadania. Com essa expectativa, as Ouvidorias dos Hospitais Universitários Federais- HUFs sob a gestão da EBSERH criam uma relação de diálogo com a sociedade, proporcionando a integração do cidadão no monitoramento e na avaliação dos serviços públicos, de modo a se garantir o direito de todo cidadão se expressar quanto à satisfação com os serviços das instituições públicas (BRASIL, 2014).
Em concordância com a EBSERH, os HUFs atuam na assistência à saúde, no campo do ensino, na formação dos profissionais de saúde e áreas afins, na inovação tecnológica e no desenvolvimento de novas abordagens nas áreas acadêmicas. Esses hospitais ofertam serviços de atenção à saúde gratuitamente por meio do acesso regulado e integrado à rede de urgência e emergência no âmbito do SUS.
A adesão voluntária à EBSERH deve ser manifestada pelo interesse do reitor da IFES em celebrar a parceria de gestão. Após esse momento, o hospital passa a vivenciar um processo de análise e diagnóstico o qual subsidia a elaboração do contrato que estabelece obrigações, metas de desempenho, indicadores, prazos de execução, sistemática de acompanhamento e avaliação, consoante o §4º do artigo 2º do Regimento Interno: “A execução das atividades da EBSERH, por intermédio de suas filiais e unidades descentralizadas, dar-se-á por meio da celebração de contrato específico para esse fim [...]” (EBSERH, 2016a).
Após a identificação das necessidades da instituição contratante e a realização do contrato com a EBSERH, é elaborado, com vigência anual, o Plano de Reestruturação, estabelecendo as metas em curto prazo para adaptação dos processos internos e da estrutura organizacional. Durante esse período, é implantado o Plano Diretor Estratégico (PDE), com duração de 2 (dois) anos, o qual pactua as metas de médio e longo prazo conforme o processo de diagnóstico situacional, com a detecção de necessidades materiais e de dimensionamento de pessoal. A empresa realiza o monitoramento e avaliação da execução dos planos nos HUFs e articula com MPOG a autorização das solicitações dos cargos e suas respectivas quantidades, a serem investidos por meio de concurso público (EBSERH, 2016a).
Dados coletados em 2019, apontam que a referida empresa é responsável pela gestão de 40 (quarenta) HUFs que realizaram parceria de gestão por interesse do reitor da IFES. Estes hospitais estão geograficamente localizados em todas as regiões do país, sendo que 4 (quatro) estão na região Norte, 17 (dezessete) no Nordeste, 5 (cinco) no Centro-Oeste, 8 (sete) no Sudeste e 6 (seis) na região Sul. Apenas 10 (dez) HUFs ainda não realizaram a adesão à EBSERH.
Os HUFs são gerenciados por um colegiado executivo, conhecido como equipe de governança, a qual, conforme o artigo 60 do Regimento Interno da EBSERH, deve ser composta por “a) Superintendente do hospital; b) um Gerente de Atenção à Saúde; c) um Gerente Administrativo; e d) um Gerente de Ensino e Pesquisa, quando se tratar de hospitais universitários ou de ensino” (EBSERH, 2016a).
A estrutura de governança dos HUFs conta com segmento de apoio à gestão, formado por Secretaria, Assessoria Jurídica, Assessoria de Planejamento, Ouvidoria, Comissões Assessoras, Setor de Gestão e Informática. Conta também com o segmento de controle e fiscalização formado pela Auditoria e Conselho Consultivo.
A EBSERH prevê a implantação de Ouvidorias a partir da sua estrutura organizacional. Na empresa sede, é institucionalizada a Ouvidoria Geral e nos HUFs, a Ouvidoria hospitalar, ambas inseridas no segmento de apoio à gestão e representadas legalmente por um ouvidor titular que “[...] são aqueles relacionados às atividades e responsabilidades pela gestão técnico-administrativa e de assessoramento [...]” (EBSERH, 2016b, p. 3).
A Ouvidoria Geral da EBSERH, vinculada ao presidente, é instância de controle e participação social. Na descrição das atribuições dos cargos, o Ouvidor Geral tem a atribuição de coordenar os serviços de atendimento aos cidadãos, direta ou indiretamente, relacionados à EBSERH, encaminhando as reclamações, elogios, sugestões ou denúncias, visando ao aperfeiçoamento e à contínua melhoria dos processos administrativos (EBSERH, 2013).
O Regulamento da Ouvidoria Geral da EBSERH prevê autonomia plena, independência no exercício das atribuições do ouvidor e a garantia da sua participação nas reuniões da Diretoria Executiva, como ouvinte, a fim de esclarecer as questões suscitadas e de propor melhorias das rotinas administrativas e institucionais, com o dever de resguardar o sigilo das fontes de informações (EBSERH, 2012a).
Por seu turno, as Ouvidorias das unidades hospitalares apresentam-se como órgãos descentralizados de relevância na comunicação com dirigentes, docentes, discentes, pesquisadores, prestadores de serviços, fornecedores, servidores, empregados e cidadãos em geral, instâncias que contribuem para o aperfeiçoamento do modelo de gestão, das ações institucionais e para melhoria dos processos internos (EBSERH, 2012a).
As Ouvidorias dos HUFs integrantes da RNOHUF, que conta, com 40 (quarenta) Ouvidorias hospitalares, com a participação de 38 (trinta e um) ouvidores. Vale ainda ressaltar que, devido à constituição de 2 (dois) Complexos Hospitalares, existem 2 (dois) ouvidores que representam 2 (duas) Ouvidorias hospitalares, cada. A inserção de uma nova Ouvidoria na rede se faz com a participação do ouvidor hospitalar na oficina de alinhamento de ações durante o evento anual intitulado Encontro Nacional de Ouvidores dos Hospitais Universitários Federais promovido pela Ouvidoria Geral.
Segundo Leite (2020), é notório que existem diferenças entre as Ouvidorias quanto à estruturação física (número de salas, localização, sinalização, sala com proteção acústica para atendimento privativo e ambiência com recursos de acessibilidade), recursos humanos, instrumentos normativos, organização dos serviços por meio de planos de trabalho, utilização da diversidade de sistemas tecnológicos e emissão de relatórios estatísticos e de gestão. Existem diferenças entre as Ouvidorias dos HUFs, mas a inter-relação entre elas permite que seja formalizado e consolidado a constituição de um processo de trabalho em rede, pois estas Ouvidorias possuem um interesse único e exclusivo de servir ao público com a qualidade, zelando pelo exercício ético da profissão.
A Ouvidoria Geral da EBSERH pode contribuir com as Ouvidorias hospitalares uma vez que sua coordenação possibilita a superação das dificuldades encontradas na implementação das ações das Ouvidorias dos HUFs, tanto nas condições estruturais quanto nas administrativas. Dessa forma, o avanço dessas Ouvidorias na institucionalização, somado às suas competências, reflete na virtude de contemplar totalmente a efetividade de sua existência, e consolida um espaço democrático de garantia dos direitos dos cidadãos.
Leila Leal Leite
Ouvidora do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU-UFPI). Graduada em Administração Pública e Mestre em Gestão Pública pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). CV: http://lattes.cnpq.br/3245910629422805 / ID Lattes: 3245910629422805
Referências Bibliográficas
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